As mudanças ao nível laboral: O que esperar e como se vão aplicar as alterações da legislação laboral
Falar de mudanças laborais é um “lugar comum” no quotidiano de uma sociedade como a nossa em constante desenvolvimento social, tecnológico, industrial e ambiental. Neste contexto é reconhecida a natureza plástica da lei (em especial, a laboral), dado que esta convive com uma dialética entre a função normativa e evolutiva da sociedade (enquanto regra que a disciplina), mas também que a incorpora e reflete (a lei evolui com, e para a sociedade).
Exemplo paradigmático desta vocação da lei laboral é encontrada na proliferação de diplomas legislativos produzidos no contexto da pandemia Covid-19, que recuperaram mecanismos utilizados pelas empresas em períodos de crise (o lay-off, nas suas diversas roupagens) ou deram nova vida a outros que ainda vinham sendo pouco explorados (caso do teletrabalho).
Estas mudanças – sendo conjunturais – foram, no entanto, o mote para um pensamento estrutural, de médio a longo prazo, assente na ideia de que o mundo moderno avançou de forma rápida, progrediu e evoluiu, desafiando as relações laborais tradicionais, e cujas traves mestras poderemos encontrar no Livro Verde e na Agenda do Trabalho Digno, bem como na proposta legislativa apresentada pelo Governo em outubro do ano passado.
Em especial, o trabalho digital, associado à Internet, ao cloud computing, ao Big Data, à Internet of Things, ao machine learning, ao 5G e às novas formas de trabalho, dita uma das tendências do futuro, e que irá animar a produção legislativa nos próximos tempos.
O trabalho digital veio para ficar e são de todos conhecidas as manifestações do mesmo no contexto da economia colaborativa, como as plataformas digitais, o crowdwork (ou crowd employment), o work-on-demand via apps, o job sharing, entre outros, mas também um “novo” conceito de trabalhador e relação de emprego.
Em especial, o trabalho digital, associado à Internet, ao cloud computing, ao Big Data, à Internet of Things, ao machine learning, ao 5G e às novas formas de trabalho, dita uma das tendências do futuro, e que irá animar a produção legislativa nos próximos tempos.
Aliás, a UE propôs-se muito recentemente a adotar legislação comunitária para regular este fenómeno colaborativo – i.e. o trabalho em plataformas – nomeadamente aproximando / equiparando estes profissionais a verdadeiros trabalhadores subordinados em determinados casos. No mesmo sentido, umas das linhas de força da conhecida Agenda do Trabalho Digno prende-se, também ela, com a proteção dos trabalhadores em plataformas, nomeadamente através de uma futura previsão legal de presunção da existência de contrato de trabalho entre o prestador da atividade e os operadores de plataformas quando se verifiquem determinados indícios de laboralidade.
Será ainda no campo digital onde se esperam outros desenvolvimentos legislativos, seja na regulação da Inteligência Artificial e da utilização de algoritmos (nomeadamente quando as decisões automatizadas impactem os trabalhadores, bem como ao implementar um dever de informação e transparência com ACT, trabalhadores e seus representantes, sobre critérios de algoritmos e mecanismos de inteligência artificial utilizados), seja no posicionamento de Portugal como centro de atração de nómadas digitais (em especial mediante um enquadramento de Segurança Social específico que promova a sua integração), seja nas mais recentes regras que impõem a promoção de canais de whistleblowing, no seio das empresas, para denúncia de violações do Direito da UE.
E foi uma vez mais no campo digital que assistimos às ultimas alterações legislativas, que remodelaram o anterior regime do teletrabalho, mas que cuidaram igualmente de promover o work life balance e estabeleceram o dever de desconexão digital (antecipando tendências do que se espera vir a ser um direito / dever comum aos Estados Membros da UE). Ainda assim, e dadas as dificuldades operacionais sentidas pelo tecido empresarial na aplicação destas novas regras, em especial no que toca a compensação de despesas acrescidas pelo teletrabalho, não será de estranhar que alterações a tais regras venham ainda a ver a luz do dia.
Não obstante o peso do digital no futuro das relações do trabalho, é expectável que o legislador não descure outros temas que, tradicionalmente, têm ocupado a sua agenda.
Desde logo, o combate à precariedade estará certamente na ordem do dia, esperando-se novas medidas de limitação do recurso à contratação temporária (por exemplo, a redução do número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário – de 6 para 4 – ou a integração dos trabalhadores temporários na empresa de trabalho temporário ao fim de 4 anos). Por seu turno, uma nova revisão das regras em matéria de contratos a termo (em especial as referentes à sucessão de contratos) poderá estar em cima da mesa. E não esquecendo o período experimental, nomeadamente dos jovens à procura do primeiro emprego (com medidas que visem evitar abusos nesta matéria). Além disso, será de esperar um esforço em recuperar os direitos “perdidos” no contexto da Troika, nomeadamente o eventual aumento da compensação para cessação de contratos, ou a reposição (parcial) dos valores de pagamento de horas extraordinárias.
Exige-se da lei laboral – e do seu legislador – a capacidade de antecipar o futuro, mas também de o moldar.
Será também o tempo de tentar recuperar, uma vez mais, o fulgor da negociação coletiva e de a promover como palco para encontro de soluções negociadas, esperando-se, no entanto, que o tradicional receio do legislador de vazios de cobertura normativa (ausência de regime convencional aplicável à empresa) não tenha a consequência inversa, de desincentivo dos parceiros sociais a sentar-se à mesa das negociações. Assim, e por exemplo, podemos esperar o reforço da arbitragem necessária, permitindo que qualquer das partes suspenda a caducidade de convenções coletivas de trabalho, prevenindo vazios negociais, bem como poderá ficar condicionado o acesso a apoios e incentivos públicos à existência de contratação coletiva dinâmica.
Também é de esperar uma valorização da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar, em diferentes dimensões, incluindo o reforço de regimes como as licenças de parentalidade num quadro de promoção da igualdade entre homens e mulheres (e.g. através da majoração dos valores de licenças em caso de maior partilha entre os dois progenitores e duplicar o tempo de licença quando seja gozada em tempo parcial a partir dos 120 dias ou acesso, em situações de adoção, à licença exclusiva do pai e ao respetivo subsídio, e possibilidade de gozo de 30 dias de licença na fase de transição ou entrega da criança), a proteção dos cuidadores informais (através da criação de licenças, direito a faltas sem perda de retribuição, introdução de especiais garantias em matéria de despedimentos e questões de igualdade e não discriminação, bem como permitindo o acesso a regimes flexíveis de trabalho) e a promoção de tempos de trabalho e não-trabalho mais equilibrados.
Por fim, espera-se também uma maior responsabilidade ambiental e social do legislador laboral, pelo que a promoção das políticas de Environmental, Social and Corporate Governance (ambiente, social e governança empresarial ou ESG) que definem uma série de critérios de conduta que devem ser adotados pelas empresas, para atraírem investidores socialmente conscientes, são aspetos cruciais da política laboral atual.
Em síntese, exige-se da lei laboral – e do seu legislador – a capacidade de antecipar o futuro, mas também de o moldar. Veremos (e espera-se) que alcance todo o seu potencial, harmonizando as justas aspirações de trabalhadores, mas igualmente os desafios e necessidades das nossas empresas.
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