Texto: Sónia Ramalho | Fotos: David Oitavem
É consultora de Recursos Humanos e formadora nas áreas Comportamentais e de Desenvolvimento Pessoal. Em que consiste o seu trabalho?
Sou formadora e especialista na área da Liderança, principalmente a Liderança Situacional, mais direcionada à situação e mais personalizada.

Como surgiu o interesse por esta área?
Já tinha passado por outros trabalhos onde tinha liderado equipas e sempre me despertou o interesse para a diferença que havia entre equipas de alto rendimento e outras equipas que não tinham esse mesmo rendimento. Ou seja, porque umas eram diferentes das outras tendo supostamente as mesmas capacidades? O líder faz claramente a diferença e não passa apenas pelas características pessoais desse líder, mas a capacidade que a pessoa tem de envolver os outros, de lhes criar compromissos, de lhes criar a vontade de dar o seu melhor. As pessoas têm de sentirem que estão a trabalhar para algo, que têm um projeto onde se sentem importantes, onde se sentem uma mais-valia, pois faz toda a diferença. Enquanto colaborador percebo que tenho uma pessoa que está à frente do projeto, que é o meu líder, que é uma pessoa lutadora, que se empenha nas vitórias conjuntas e dou-lhe créditos em termos de confiança. E a confiança é a chave de qualquer relação, seja ela pessoal ou profissional.
No seu caso entende-se como uma líder?
Claramente.
E sempre teve essas características de liderança? Ou seja, as características já nascem com a pessoa ou aprendem-se?
Esta temática sempre teve esta dúvida: um líder nasce ou faz-se? Os autores andam sempre à volta desta questão e tem um pouco das duas coisas. Acho que já nasce connosco, mas na nossa vivência, na forma como crescemos, no grupo de amigos, nas famílias aprende-se a ser líder e isto acompanha-nos pela vida. Vamos crescendo e aprendendo novas formas de liderança.
Este empowerment que tanto se fala nas empresas – dar o poder às pessoas para fazerem elas próprias – é muito importante que venha do líder.
Quer dizer que os pais podem formar pequenos líderes pela forma como educam as crianças?
Sem dúvida que sim. Sou mãe e tento sempre que possível passar as principais características que para mim são essenciais: sermos genuínos com os outros, acreditarmos nas pessoas e dar-lhes capacidades para se desenvolverem. Este empowerment que tanto se fala nas empresas – dar o poder às pessoas para fazerem elas próprias – é muito importante que venha do líder e em termos familiares passa-se o mesmo. Devemos passar aos nossos filhos a importância de dar o nosso melhor e de estar disponível para ajudar os outros. O líder não é mais do que uma peça no meio de todas as outras e no final não sou eu quem vence, é a minha equipa. Sem a minha equipa não sou nada.
Quando começou a estudar a capacidade de liderança, como aplicou na prática os conceitos?
Fui estudando e interessando-me por esta temática da liderança e estudando casos de boas práticas nas empresas. Tive a sorte de ter trabalhado com pessoas que reconheço claramente que são lideres e vamos aprendendo por exemplo. Acho que foi isso que me despertou este interesse, tive bons exemplos e acho que há bons exemplos em Portugal.
Quer dar alguns exemplos?
Há bons líderes nas empresas que são facilmente reconhecidos. Não é necessariamente o nome que está por detrás dessa pessoa, mas o trabalho que faz na sua empresa. Não tem de ter um cargo de líder para aplicar as técnicas de liderança, podemos ser líderes nas nossas famílias, no nosso trabalho, no grupo de amigos, não há uma limitação. Só porque não exerço um cargo profissional de destaque hierárquico não quer dizer que não seja líder, todos nós podemos ser.
Um líder pode fazer toda a diferença numa empresa, quer pela forma como lidera a sua equipa, como pela forma como a motiva para atingir os resultados.
E o que é ser um líder?
Ser um líder é ser alguém que acima de tudo lhe interessa desenvolver as outras pessoas e retirar o melhor delas para ajudar crescer o projeto onde estão envolvidas. Para mim é a característica principal do líder, acreditar nas pessoas, desenvolvê-las, acreditar no projeto e tirar o melhor que elas têm.
E na prática como é que isso se faz?
Na prática é ter vontade de conhecer as pessoas. Temos pessoas diferentes nas equipas, nem todas são iguais, nem têm de ser. Uma equipa não tem de ser toda igual, pelo contrário, quanto mais diferente for, mais funcional se torna. E como diz José Mourinho, “o meu trabalho não é ensinar-lhes a jogar à bola, é fazer com que consigam trabalhar em conjunto”. O trabalho do líder passa por ver o que cada um tem de melhor em si e conseguir desenvolver tudo aquilo que tem de melhor, colmatando alguns pontos de melhoria que todos temos. E trabalhar na relação para poder orientá-los para um objetivo comum, as pessoas têm de saber qual a meta a atingir para poderem trabalhar. E estas metas têm de ser claras, curtas, concisas para que as pessoas saibam o que têm de fazer, quando o têm de fazer e o que ganharão com isso. Se conseguirmos que a nossa organização vença, vencemos todos.

José Mourinho é um bom exemplo de líder?
Acredito que sim, apesar de algumas pessoas apontarem o seu mau génio. É uma pessoa que aplica grande parte desta liderança, é uma pessoa forte, e é preciso ter um pulso firme, é preciso tomar as rédeas da situação, é preciso estudar e trabalhar. É o primeiro a entrar no campo e o ultimo a sair, a equipa reconhece-lhe isso, é um exemplo a seguir. E liderar é isso: ver as características das pessoas, desenvolvê-las, acreditar no projeto, envolvê-las para uma única direção e trabalhar.
E em termos de clínica veterinária como podemos aplicar a liderança?
Uma clínica veterinária é uma organização por si só, tem pessoas que trabalham com um objetivo e que têm um projeto: fazer crescer a clínica. Quem está no cargo de liderança tem de puxar por elas no bom sentido, desenvolvê-las, ver quais os pontos que podem ser uma mais-valia, os pontos de melhoria e trabalharem todos num projeto comum. Perceber o que é a minha clinica hoje e o que ela pode ser amanhã, qual o futuro, o que posso fazer de melhor, como podemos crescer, como podemos tratar melhor os nossos clientes, como podemos fazer a diferença e é nessa passagem de visão que o líder vai fazer com que elas deem o seu melhor.
E se o líder não for o dono da clínica? É uma situação que pode causar conflitos?
Não vejo que cause conflitos. O importante é que as pessoas que trabalham na clínica reconheçam que essa pessoa está 100% dedicada a esse projeto.
Imagine que há o dono da clínica e um médico veterinário que trabalha com ele, mas que tem capacidades natas de liderança. Não pode causar mau ambiente na clínica?
Estas barreiras hierárquicas têm de cair. As pessoas têm de ser orientadas para um único objetivo e esse é o ponto. Seja o responsável pela clínica, seja uma pessoa de chefia intermédia, a questão é que vamos trabalhar todos para um projeto comum, não interessa quem exerce a liderança, interessa que esteja identificada e que a partir daí se oriente as pessoas para um objetivo comum.
O que pode fazer um médico veterinário que não tem noções de liderança? Existem dicas para começar a ter essa postura de líder? Como é que se faz?
O líder já tem características pessoais que traz com ele e que são reconhecidas. Quanto a essa possibilidade de exercer, deve fazer cursos de formação adequados à temática porque nem todos nascemos ensinados. Existem correntes de liderança que nos mostram como posso ser um melhor líder. Por vezes em Portugal, e encontro esta situação quando faço consultoria, quando se chega a um determinado cargo de liderança há o receio de ir a uma ação de formação porque supostamente já se sabe tudo. E este preconceito do ‘eu já sei tudo’ não me ajuda a crescer. Mais uma vez temos de deixar cair estes preconceitos e ir a ações de formação, não ter receio de aprender pois o conhecimento é algo que vai sempre connosco e que nos ajuda com novas técnicas de liderança.
Por vezes quando se chega a um determinado cargo de liderança há o receio de ir a uma ação de formação porque supostamente já se sabe tudo. E este preconceito do ‘eu já sei tudo’ não me ajuda a crescer.
O que ensina nos seus cursos?
No curso de liderança passamos alguns conceitos importantes, falamos de como se desenvolve um colaborador. Ao trabalhar com um colaborador diariamente tenho de elogiá-lo para manter a motivação. Por vezes também tenho de o repreender ou redirecionar o seu comportamento, por vezes eu próprio tenho de pedir desculpa aos meus colaboradores. São alguns conceitos que parecem tão óbvios que não carecem de grande teoria, mas são importantíssimos. Cada vez mais as pessoas se queixam por não serem elogiadas, oiço muitas vezes: ‘na minha empresa farto-me de trabalhar, estou cá há imenso tempo e nunca ninguém me disse um obrigado’. E são simples ações que motivam as pessoas, que fazem com que trabalhem mais e deem o seu melhor, não é uma questão financeira.
Hoje em dia dá-se pouca importância ao reforço positivo?
Sem duvida que sim, e é claramente o que faz a diferença. As pessoas precisam deste reforço positivo, mas não há que fazer grandes floreados à volta do tema do elogio. Muitas vezes ouvimos o chefe dizer ‘obrigado pelo seu trabalho’, mas isto é algo muito vago. O trabalhador tem de perceber onde estive bem e o reforço tem de ser dado na altura certa, não passados três meses. As pessoas querem elogios que sejam acima de tudo genuínos e têm de me incentivar a dar mais e melhor.
E como se repreende de forma correta?
Mais uma vez temos de ser específicos, repreender a ação e não o indivíduo. O que acontece muitas vezes é que repreendemos o indivíduo: ‘você é sempre a mesma coisa’. Repreender a ação é dizer: ‘João, o facto de não me ter dado o seu relatório na 6ª feira fez com que não conseguisse entregar o meu próprio relatório geral à administração e isso fez com que ficasse aborrecido consigo’. Repreendi. A seguir vou dizer: ‘não estava à espera desse comportamento porque até agora o João foi um dos melhores empregados’. Reafirmei esta pessoa, ‘a partir daqui conto que o João não volte a fazer isto porque este comportamento não é válido, queria criar um compromisso consigo que estas coisas não voltariam a acontecer’. Isto faz a diferença, a pessoa sabe o que fez, o que provocou o fato de não ter entregado o relatório e percebeu, por outro lado, que o líder lhe reconhece grandes capacidades enquanto colaborador. Reafirmou-o e isso é muito importante para as pessoas evoluírem.
E porque se dá mais importância ao reforço negativo do que ao positivo?
É muito do ser humano, se bem que em Portugal somos experts nesta matéria, de repreender e deitar as pessoas abaixo. É por isso que em liderança se diz que não se deve repreender o indivíduo, mas sim a ação. Quando o indivíduo é repreendido, se o disser aos gritos o que vou fazer é que a seguir a pessoa não vai ouvir. E se lhe perguntarem o que aconteceu, não vai saber responder porque vai dizer: ‘ele falou aos gritos, já nem me lembro o que disse’. E é isso que se ensina nos cursos, que podemos repreender as pessoas, mas fazer de forma positiva.
“Em Portugal somos experts nesta matéria, de repreender e deitar as pessoas abaixo. É por isso que em liderança se diz que não se deve repreender o indivíduo, mas sim a ação.”
E no final acha que as pessoas aprendem?
Creio que sim, já tive ótimas experiencias de pessoas que disseram que começaram a aplicar os conceitos e que fazem toda a diferença. Não tinham noção da maneira como repreendiam e ficam surpreendidos quando percebem que às vezes exageram no tom. Podem dizer a mesma coisa, mas de uma forma positiva e as pessoas não vão ficar presas ao tom de voz. No curso ensinamos estes conceitos com metodologias interativas, em que colocamos as pessoas em sala a fazer jogos. As pessoas teatralizam estas situações e acaba por se criar um ambiente engraçado em sala.
As pessoas que fazem os cursos são líderes ou querem ser líderes?
Tenho as duas situações, pessoas que já exercem cargos de liderança e outros foram reconhecidos como potenciais líderes e já se começa a desenvolver estas capacidades.
O facto da pessoa se sentir bem na empresa é mais importante do que a própria remuneração?
As pessoas têm de se sentir bem dentro da própria organização. Há dois fatores diferentes: a motivação e a satisfação. A satisfação prende-se com fatores remuneratórios – salários e benefícios – e a motivação com o reconhecimento, com o ambiente de trabalho, com a equipa. São estas duas características juntas que fazem a produtividade aumentar. Por um lado tenho de me sentir satisfeita em termos salariais, mas também tenho de me sentir integrada e essa integração tem de ser feita com o líder. Posso gostar do meu trabalho e da minha equipa, mas se não conseguir pagar as despesas mensais a parte remuneratória não está satisfeita. As empresas têm de pensar nisto: a diferença está nas pessoas e não nos materiais ou na última tecnologia que trouxe para a clínica. Podem ser importantes, contudo as pessoas é que são quem faz a diferença dentro das organizações, dentro das clínicas.
Quem é Anabela Chastre?
Anabela Chastre é consultora de Recursos Humanos e formadora nas áreas Comportamentais e de Desenvolvimento Pessoal (Liderança, Comunicação, Gestão de Equipas e Gestão de Recursos Humanos). É licenciada em Comunicação e Jornalismo e tem um Mestrado Executivo em Gestão de RH, pelo ISCTE. Trabalha em formação, consultoria e coaching há vários anos e já treinou executivos em grandes clientes a nível nacional e internacional.