Artigo publicado em parceria com a revista DISTRIBUIÇÃO HOJE
Marcou presença na conferência ‘Building the Future’, organizada pela Microsoft, e que trouxe a Portugal alguns dos mais conceituados especialistas do universo da tecnologia. Falámos com Jim Stolze, um dos ‘gurus’ da Inteligência Artificial.
Texto: Victor Jorge
Muito se tem falado da necessidade/exigência das empresas “abraçarem” a tecnologia e procederem à transformação digital. Para Jim Stolze, especialista em Inteligência Artificial e fundador da Aigency e TEDx Amesterdão, “as organizações são ricas em dados, mas pobres em informação”. E as previsões são para que, nos próximos dois anos, “o setor do retalho contrate mais cientistas de dados do que profissionais de marketing”.
Participou, recentemente, na conferência ‘Building The Future’, realizada pela Microsft, em Lisboa. A apresentação que trouxe ao evento teve como tema a Inteligência Artificial (IA) e a Transformação Digital. O que é que a IA e Transformação Digital podem trazer a indústrias como a do retalho?
Na maioria das vezes, quando falamos de Inteligência Artificial, referimo-nos a um elemento específico: Machine Learning. Esta é uma ótima maneira de encontrar valor nos dados existentes. Assim, no caso do setor do retalho, certamente que existem muitos dados disponíveis. A maioria das partes da organização – compras, vendas, logística, atendimento ao cliente, etc. – foram digitalizadas. Ao utilizar Machine Learning existe a possibilidade de encontrar padrões ocultos nesses conjuntos de dados, de modo a que se possa tentar prever (previsão de procura), classificar (experiência do cliente) ou recomendar (cross-selling). É a próxima fase para o digital.
Um estudo recente da Capgemini revela que os retalhistas se converteram à Inteligência Artificial, mas que ainda não retiram todas as vantagens das possibilidades oferecidas por esta nova tecnologia. Quais são, realmente, as possibilidades que se abrem com a adoção destas tecnologias?
O que vejo, muitas vezes, é que as organizações são ricas em dados, mas pobres em informação. Isto ocorre porque elas concentraram-se em obter “mais dados”. Mas esse não é o objetivo! São necessárias ferramentas melhores para realmente usar os dados e essas ferramentas são o que chamamos de algoritmos: pequenos fragmentos de software que utiliza poder computacional e matemática para filtrar grandes quantidades de dados. Nos próximos dois anos, prevejo que o setor do retalho contratará mais cientistas de dados do que profissionais de marketing, exatamente para esse fim.
“As organizações são ricas em dados, mas pobres em informação”
Esse é exatamente um dos pontos que o estudo refere: a maioria das empresas focam a Inteligência Artificial nas vendas e marketing. Existem outras oportunidades para libertar/aproveitar a IA? Quais?
Sim, claramente. É tentador concentrar-se nas vendas e no marketing. É a maneira mais fácil de fazer um modelo de negócios, os managers adoram o ROI (Return on Investment). Mas quando olho para a minha própria empresa (Jim Stolze é o fundador de uma startup de Inteligência Artificial, chamada Aigency), procuramos ajudar os nossos clientes com outros departamentos dentro organização: jurídico, compras, recursos humanos e operações. É nesses departamentos que se consegue realmente acrescentar muito valor. Estes são frequentemente os departamentos onde a inovação tem faltado. Por isso, é possível dar o salto graças à aplicação de algoritmos básicos.
Ainda durante a sua apresentação referiu que a utilização irresponsável de Machine Learning é que deverá preocupar. Em que medida?
Como qualquer tecnologia, Machine Learning também pode ser utilizada de maneira errada. Todos nós já ouvimos falar de preocupações com a privacidade, mas isso vai muito além da privacidade. Existem muitos exemplos de situações em que as pessoas foram vítimas de “matemática ruim” ou má ciência de dados. Por exemplo, um algoritmo que deteta uma correlação (nos dados), mas que foi realmente treinado com dados errados. Precisamos de Machine Learning para tratar as pessoas de maneira justa e não de uma maneira tendenciosa.
“Partes do trabalho, como contacto humano, imaginação, criatividade, tornar-se-ão tão importantes como nunca. Realmente acredito que a IA irá libertar-nos do robô que existe dentro de nós.”
Que conselho daria às organizações no campo da Inteligência Artificial, Machine Learning e Transformação Digital?
Se olhar para o que as transformações digitais mais bem-sucedidas têm em comum, é, principalmente, o que apelido de “liderança digital”. Isso significa que cria uma cultura dentro da organização em que a experimentação com dados é incentivada. Não pode ser um foco no sucesso financeiro de curto prazo (ROI), mas um foco em tantas experiências quanto possível e compartilhar o conhecimento adquirido com o resto da organização.
Assim, o meu conselho seria começar a questionar as equipas: têm cientistas de dados na folha salarial?; sabe quais os funcionários que conseguem “hackear” conjuntos de dados com Python (uma linguagem de programação)? Se não consegue encontrar essas pessoas, então está em apuros!
A implementação de toda esta tecnologia é criadora de emprego?
No final, o trabalho cria trabalho. Claro que alguns empregos mudarão. Coisas que costumava fazer num computador, podem, no futuro, ser feitas pela própria máquina. Mas outras partes do trabalho, como contacto humano, imaginação, criatividade, tornar-se-ão tão importantes como nunca. Realmente acredito que a IA irá libertar-nos do robô que existe dentro de nós.
Onde é que, estrategicamente, a Inteligência Artificial deverá ser incorporada?
Machine Learning é uma competência e não um departamento.
A aprendizagem de máquina é uma competência, não um departamento. É algo que deverá existir dentro todas as equipas. Na realidade, na maioria das vezes, é responsabilidade do Chief Information Officer (CIO). Penso que é um bom lugar para começar, desde que as equipas não fiquem presas num silo!