A comunicação entre o cérebro humano e o computador é uma área da ciência que se tem vindo a desenvolver nas últimas décadas sobretudo por força do desenvolvimento tecnológico. As interfaces Cérebro-Computador (ICC ou BCI, na sigla em ingês), ou os canais de comunicação onde a informação é enviada através do cérebro e é interpretada e analisada por um computador, têm múltiplas aplicações, desde a psiquiatria à publicidade, e vão mudar a forma como trabalhamos.
Imagine que a sua chefia conseguiria saber se realmente esteve atento na última reunião por Zoom ou que era possível preparar uma apresentação usando apenas os seus pensamentos. O desafio é lançado por Alexandre Gonfalonieri, head of Innovation da DNA Global Analytics, num artigo recentemente publicado na Harvard Business Review, e serve para mostrar que aquilo que julgamos ser ficção científica pode muito em breve ser uma realidade graças ao desenvolvimento das interfaces Cérebro-Computador.
De acordo com Alexandre Gonfalonieri, atualmente dispomos das eletroencefalografias (EEG) para monitorizar a atividade elétrica do cérebro, mas em breve isso poderá mudar. Com recurso a sensores e algoritmos complexos, passará a ser possível analisar sinais cerebrais e extrair padrões cerebrais relevantes. A atividade cerebral poderá, assim, ser registada por dispositivos não invasivos. E se até há pouco tempo estes BCI’s existiam para ajudar, por exemplo, pessoas paralisadas a controlar dispositivos usando os seus pensamentos, no futuro, poderemos usar interfaces Cérebro-Computador como ferramentas de neurofeedback, para melhorar o desempenho cognitivo, ou na formação corporativa, para melhorar o desempenho.
“As BCI’s podem detetar que o nível de atenção está muito baixo em comparação com a importância de uma determinada reunião ou tarefa e disparar um alerta. Também podem adaptar a iluminação do escritório de acordo com o seu nível de stresse ou impedir que use o carro se for detetada sonolência”, explica Alexandre Gonfalonieri.
A startup canadiana Muse é uma das pioneiras e criou uma badana para a cabeça que mede os níveis de stresse e concentração de quem a usa, disparando alertas. Mas há mais! Já estão disponíveis no mercado vários dispositivos com sensores que detetam sinais cerebrais e auxiliam algoritmos de machine learning para oferecer insights sobre os níveis de envolvimento dos colaboradores trabalhadores, rastreando quem está concentrado ou distraído.
Teoricamente estes dispositivos podem ajudar nas tarefas do dia-a-dia, avaliando que tarefas devem ser realizadas primeiro com base nos níveis de atenção, mas há quem já esteja atento ao potencial de invasão de privacidade criado por estas ferramentas.
“A capacidade de monitorizar (e potencialmente controlar) os níveis de atenção cria novas possibilidades para os gestores de pessoas. Por exemplo, as empresas poderiam ter acesso a um ‘painel de RH BCI’ específico no qual os dados cerebrais de todos os funcionários seriam exibidos em tempo real. No final de cada avaliação de desempenho anual seria possível analisar e comparar os níveis de atenção graças aos BCI’s. Mas embora as informações do cérebro possam ser do interesse das empresas, permitindo que adaptem as cargas de trabalho dos funcionários de acordo com a informação que vão recolhendo, o potencial para abuso é elevado”, explica Alexandre Gonfalonieri.
Além da análise de sinais cerebrais, algumas empresas já estão inclusive a trabalhar em soluções para modular a atividade cerebral. Um grupo de investigadores da Universidade de Columbia, nos EUA, mostrou recentemente de que forma o neurofeedback pode ser usado para influenciar o estado de alerta e melhorar o desempenho dos indivíduos numa tarefa cognitivamente exigente usando um BCI baseado em EEG.
Outro caso de uso de BCI’s no trabalho está relacionado com a forma como interagimos com máquinas e dispositivos. De acordo com Alexandre Gonfalonieri, “no futuro, os trabalhos mais perigosos exigirão o uso de BCI’s. As empresas com trabalhadores que operam máquinas perigosas podem exigir que os seus trabalhadores sejam monitorizados com BCI’S. E acredito que um dia será obrigatório que pilotos e cirurgiões usem um BCI durante o trabalho…”
Os BCI’s não são uma tecnologia perfeita e, para já, não há forma de dizer que tipo de erros acontecerão quando as empresas começarem a usar estes dispositivos em ambiente real. Quando as empresas começarem a usar e a analisar dados cerebrais, como é que vão garantir a privacidade e a segurança dos dados dos seus colaboradores? Quem será o proprietário dos dados recolhidos? E quais são os direitos dos colaboradores quando as suas empresas começarem a implementar estas tecnologias?
A tecnologia está sempre à frente das regulamentações, mas à medida que um número crescente de startups e grandes empresas de tecnologia começam a apresentar ao mercado BCI’S mais seguros, precisos e baratos é preciso que pensemos nas respostas para estas questões. Segundo Alexandre Gonfalonieri, as empresas que começarem já a adotar estas tecnologias e a tirar o máximo proveito dos dados do cérebro para obter melhor eficiência no trabalho, serão as melhor preparadas para abraçar todos os riscos e potenciais benefícios que possam surgir com a implementação das BCI’s em contexto de trabalho.