Tânia Santos é Fundadora e Manager do CRU Cowork e acredita que o futuro passará pela criação de soluções e espaços de trabalho centrados nos seus utilizadores. Vai estar no Porto RH Meeting para falar de ecossistemas criativos e do futuro do trabalho e ao RH Bizz diz não ter dúvidas: “não, não seremos todos nómadas digitais”.
O que é o CRU Cowork e quando nasceu?
O CRU Cowork é um creative hub, criado em 2012, e localizado no quarteirão das artes, no Porto. Nos 400 m2 das nossas instalações combinamos espaço de coworking dirigido para atividades criativas, uma zona para exposições de arte, oficinas e uma loja de designers portugueses. A nossa missão é oferecer as melhores condições para manter a nossa comunidade criativa próspera e ao mesmo tempo promover o potencial individual de cada um dos nossos membros. Para isso, oferecemos espaços e serviços a custos suportáveis, num ambiente adequado à criação artística, à produtividade, ao networking e a colaborações, contribuindo para o bem-estar e a amizade entre os nossos coworkers.
Desde que nasceu o primeiro espaço de coworking em Portugal, em 2010, não pararam de surgir novos espaços. Porque é que esta forma de trabalho se tornou tão atrativa?
Na verdade, após ter nascido o Cowork Lisboa (o primeiro cowork em Portugal) o surgimento de novos espaços foi inicialmente bastante tímido. O conceito de partilha de espaço de trabalho por freelancers e trabalhadores autónomos era desconhecido pela maioria e, sobretudo no Porto, sentia-se uma certa desconfiança acerca dessa modalidade de trabalho. Quando o CRU abriu portas em 2012, tivemos um longo período de mais de 2 anos, a sensibilizar as pessoas, a mostrar constantemente o espaço e a repetidamente falar acerca das vantagens deste estilo de trabalho. Foi a partir de 2015 que no país se sentiu um grande boom. O conceito tornou-se popular em Portugal e as vantagens mais evidentes. Os residentes foram passando a palavra, os novos residentes estrangeiros já trabalhavam em espaços semelhantes no exterior e para os digital nomads, o coworking (e co-everything) é um dado adquirido.
“Nem todos somos talhados para sair pelo mundo fora, alternando entre trabalhar a partir de Inglaterra ou da Tailândia. Não, não seremos todos nómadas digitais”
Para além do termo “coworking” já não ser um alien, constata-se que há cada vez um número maior de trabalhadores independentes (sejam freelancers ou empreendedores) que desejam trabalhar fora de casa e de cafés, e há uma crescente permissividade para a mobilidade de trabalhadores por conta de outrém, que atualmente podem trabalhar remotamente. Após algum tempo de escritório montado em casa, muitas são as pessoas que se sentem isoladas e que procuram um local flexível, inspirador e povoado por outros indivíduos em circunstâncias semelhantes.
Que tipo de trabalhadores/empresas estão instaladas no vosso espaço?
No CRU são cerca de 40 os criativos que trabalham diariamente no nosso espaço e a nossa comunidade ultrapassa as 250 pessoas. Esta comunidade inclui coworkers, designers e empreendedores com marcas que estão presentes na nossa loja, parceiros e formadores que colaboram connosco. A maioria são freelancers e solopreneurs na área das Indústrias Culturais e Criativas. Fotógrafos, designers, ilustradores, makers, arquitetos, marketeers, encenadores, jornalistas, programadores e videógrafos são algumas atividades que podemos enumerar.
Qual é a principal motivação das pessoas que vão trabalhar para espaços de coworking? Quais as principais vantagens de se trabalhar neste tipo de espaços?
Existem muitas motivações para se procurar um espaço de coworking e essas são as expectativas iniciais, e depois há outro leque de razões pelas quais as pessoas continuam fiéis a esse regime. De facto, depois de se experimentar o coworking, descobrem-se outras necessidades latentes, outras vantagens, que inicialmente talvez nem fossem contempladas. Muitas vezes é mencionada a gestão de tempo e a procura de rotinas de trabalho, a necessidade de alguma disciplina para separar a vida pessoal e profissional, o interesse num local para receber clientes e também a procura por serviços de apoio à sua atividade profissional (no CRU temos, por exemplo, sessões de contabilidade gratuitas, sessões de partilha de experiências entre coworkers, workshops e sessões de esclarecimento sobre vários assuntos relacionados com a prática criativa ou com o freelancing e o empreendedorismo).
No entanto, os nossos quase 7 anos de experiência trazem à evidência que o networking e a mera socialização são dos fatores mais relevantes que levam as pessoas a quererem trabalhar neste contexto. Somos, afinal de contas, criaturas sociais: a comunidade é parte essencial da nossa natureza. Procuramos os outros para passar este tempo, tão prolongado, que despendemos com o nosso trabalho e estes espaços podem devolver-nos um sentimento de pertença, de tribo, que nos faz voltar a casa com mais do que trabalho feito.
Pelo que sei, o CRU Cowork faz parte de um hub europeu dedicado a novos espaços de trabalho. Que hub é este e o que faz?
Desde 2016, o CRU faz parte da rede europeia de ‘Hubs Criativos – European Creative Hubs Network’ e desde 2018 que pessoalmente faço parte do seu quadro de direção. Apesar de não existir ainda uma definição consensual, os Creative Hubs têm vindo a ser descritos como espaços de confluência e de trabalho, de e para artistas, músicos, designers, programadores de software e empreendedores. São organizações autênticas e muito diversas na sua estrutura, em tamanho e nos serviços que oferecem, variando entre instituições privadas, públicas, associações e cooperativas, incluindo muitas vezes laboratórios, makerspaces ou incubadoras e conjugando espaços de trabalho com locais para experimentação, para socialização ou para networking informal. Enquanto hub leaders, a intenção dos mentores destes espaços é apoiar os criativos, trazer-lhes valor, para que possam prosperar nas suas atividades profissionais. Para isso, estes hubs devem assegurar-se como sustentáveis e resilientes. A European Creative Hubs Network é uma rede, de hubs para hubs, que tem como missão capacitar cada uma das nossas organizações, abrir novas oportunidades para alavancar as nossas comunidades e cooperar além-fronteiras. A maioria dos hub leaders enfrentam desafios semelhantes na gestão das suas organizações e procuram encontrar soluções para as suas comunidades criativas. O ECHN promove a troca de experiências e conhecimentos na forma de eventos de capacitação, mobilidade e networking, com a ajuda de pares de toda a Europa. Neste momento estão mais de 20 países representados nos cerca de 50 hubs membros.
Como vê o trabalho do futuro? Os espaços de coworking são frequentemente ‘habitados’ por nómadas digitais. Vamos passar a ser todos nómadas digitais?
O nomadismo digital tem sido um termo recorrente nos últimos tempos e sem dúvida que este estilo de vida é cada vez mais comum. De facto, os avanços nas tecnologias de comunicação e de informação, libertaram, tanto a trabalhadores dependentes como independentes, de um local fixo para trabalhar, conferindo-lhes uma mobilidade nunca antes tão grande e globalizada.
O ‘online’ e o ‘virtual’ abriram novos mercados de trabalho e trouxeram inéditas oportunidades para se trabalhar, mesmo que de forma alternativa à tradicional. Os trabalhadores independentes encontraram alternativas ao full-time, explorando oportunidades a meio tempo e curto prazo e têm respondido à redução do trabalho em tarefas ou participações cada vez mais pequenas e isoladas, a que se chamam ‘gigs’. Todas estas tendências – a mobilidade, a tecnologia, as novas formas de trabalho e a novas ideologias na conceção de espaços de trabalho pelas organizações – convergem como elementos potenciadores da prática de coworking e a sua proliferação.
No entanto, um nómada digital é alguém que decide não ter uma morada fixa, que decide morar temporariamente em diferentes lugares do mundo e trabalhar enquanto viaja e enquanto vive nesses locais. Embora a tecnologia permita a cada vez mais pessoas trabalhar remotamente, a maioria escolhe apenas entre trabalhar a partir de um espaço de coworking ou de casa, de um café ou de uma biblioteca.
“Penso que, antes de seguirmos cegamente aquilo que se estabelecem como modas ou tendências, as empresas, tanto quanto os espaços de trabalho alternativos, devem refletir sobre a diversidade dos seus trabalhadores-clientes”
Nem todos somos talhados para sair pelo mundo fora, alternando entre trabalhar a partir de Inglaterra ou da Tailândia. Não, não seremos todos nómadas digitais. Mais ainda, nem todos os nómadas digitais o são durante tanto tempo assim. Na cidade do Porto, e mesmo dentro das portas da CRU, temos assistido a cada vez mais ‘desistências’ do nomadismo e a opção de assentar arraiais nesta cidade. Mais uma vez poderemos inferir que muitos de nós procuramos uma comunidade e uma zona de conforto. O nomadismo sempre esteve relacionado com a constante procura de melhores condições para vivermos. Assim que as encontramos, tendemos a fixar-nos.
Como é que vê os espaços de trabalho do futuro?
É um exercício de imaginação e criatividade a previsão dos espaços de trabalho do futuro, tal a quantidade de modalidades possíveis a que suponho que nos iremos permitir. Tal como no caso do nomadismo digital, apesar da tendência para as empresas optarem cada vez mais por desenharem os seus escritórios como open-plans e introduzirem mesas flexíveis para os seus colaboradores, também não iremos todos acabar por trabalhar enterrados num puff num lobby ou na esplanada. Muitas são as pessoas que valorizam a sua secretária de trabalho tanto como a sua casa ou a roupa que vestem – é uma forma de comunicarmos quem somos. Há também vários estudos que têm vindo a apresentar evidências que essas tendências não contribuem positivamente para a produtividade, nem para o aumento da colaboração entre colegas de trabalho.
Penso que é incontornável pensar-se em espaços híbridos, flexíveis e transformáveis. Existem já diversos hotéis cujos lobbies dão lugar a espaços de trabalho, bem como restaurantes que, fora do expediente de refeições, se transformam em coworks. Prédios inteiros recebem atualmente funcionários de inúmeras empresas diferentes, que se passeiam entre secretárias, bares, zonas de jogos e de lazer. Há ainda as grandes empresas que, na procura pelas melhores condições para os seus recursos humanos, integram lavandarias, zonas de babysitting, restaurantes e ginásios dentro das suas instalações. Ora se, conforme se tem previsto, no futuro todos trabalharmos menos horas, perdendo a nossa carga horária para a digitalização, automatização e robótica, será que faz sentido apetrecharmos os locais de trabalho com tantas valências?
E, se o trabalho que realmente couber aos humanos for baseado em competências de intuição e criatividade, não precisaremos também de locais que respeitem a privacidade, concentração e identidade de cada um?
Penso que, antes de seguirmos cegamente aquilo que se estabelecem como modas ou tendências, as empresas, tanto quanto os espaços de trabalho alternativos, devem refletir sobre a diversidade dos seus trabalhadores-clientes e sobre a diversidade de necessidades latentes que podem encontrar se os escutarem ou observarem atentamente. O futuro passa por desenharmos soluções e espaços de trabalho realmente centrados nos seus utilizadores, nas suas dores e nas suas aspirações.